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sexta-feira, 2 de novembro de 2012

FINADOS

Quando eu era criança e morava em Tabatinga, fui aprendendo que Finados era um dia triste, cheio de reservas, especialmente para os que haviam perdido entes queridos.
Embora a medicina não tivesse ainda cura para doenças que hoje são tratáveis, câncer era inegociável, pontes de safena, transplantes, eram ficção científica, não havia tantas mortes por violência, não havia mortes no trânsito, aliás, não havia violência, nem trânsito.
Em tempos em que não se ouvia falar sobre aquecimento global, todos os anos, nesse dia, fazia muito sol, muito calor e chovia no final da tarde.
Sempre, todos os anos.
Ir ao cemitério era um passeio. Introspectivo, mas, passeio.
Eu não tinha nenhum parente enterrado por lá, nem tinha sofrido ainda nenhuma grande perda na vida, eu ia com as amigas passear, encontrar velhos conhecidos, ver os túmulos, quase sempre reformados para essa data.
E a gente ia andando por entre os túmulos, vendo as fotos, vendo quem tinha os arranjos de flores mais caprichados. Poucas flores naturais, rosas, dálias, palmas de Santa Rita, plantadas nos quintais, a maioria dos arranjos era feito de flores de papel crepon.
Nós íamos contando as histórias da vida, e circunstâncias da morte de cada um.
Visitava o túmulo das irmãs gêmeas que foram passear caíram no rio, morreram afogadas…
Os túmulos bonitos de mármore, com anjinhos de bronze: chiquérrimos!
E assim íamos entre as doces melancias vendidas aos pedaços, reverenciando os mortos.
Em 1970, quando já estava morando em Ibitinga, o ritual do Dia de Finados se repetia
Sempre foi uma data em que os parentes que moravam em outra cidade voltavam para reverenciar seus mortos e visitar amigos e parentes. Era um dia de reencontro.
Em Ibitinga, sempre visitava o túmulo de ciganos, cheios de enfeites, com uma porção de pedrinhas que diziam se você fizesse um pedido, virasse uma pedrinha e rezasse uma Ave Maria, o pedido se realizaria.
Eu sempre fazia o pedido, mas nunca soube se algum se realizou, ao sair dali já nem lembrava mais que pedido tinha feito.
Em Ibitinga essa data ficou ainda maior: mais gente, mais histórias, mais túmulos bonitos, mais barracas de melancias espalhadas pelo percurso.
Carros ainda não podiam ainda ser considerado meio de transporte, era um sobe e desce de pessoas fazendo o caminho á pé, parando nas barraquinhas para comprar velas, fósforos, flores.
À partir de 1975, quando fui morar em SP, Finados passou á ser feriado, para passeio, descanso, viagens.
Em 2000 voltei á morar em Ibitinga, e meu ritual passou á ser ir com minha mãe e irmã, levar flores ao túmulo de meu pai.
Uma sensação estranha, uma dor sempre constante, ver seu nome completo, e ao lado o apelido “LuLa’
Hoje tradição mantida, agora meus irmãos morando fora da cidade, só fomos nós duas,e eu observei e fiz calculos da vida  e morte de meu pai: Olhando a placa com datas, pude ver como tudo aconteceu cedo demais para ele:
Aos 18 anos teve seu primeiro filho, aos 62 anos morreu,depois de 5 anos de hemodialise.  
A constatação dura, difícil, de ver ali, escancarado: ACABOU.
E nesse finados, um cantinho especial para lembrar da Tia Vera.
Um finados com sol, muito calor, sem melancias, sem as conversas leves que só a infância nos permite.
Saudades e tristeza, porque não?

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